Apresento aqui uma breve resenha
da segunda mesa do seminário “Perspectiva sobre desigualdades”. Numa primeira
parte vou sintetizar a apresentação da professora Maria Ligia Barbosa (UFRJ),
sobre o tema “Desigualdades sociais no Ensino Superior: viés acadêmico e
ineficiências”. Em um segundo, vou tecer alguns comentários críticos dessa
apresentação.
Maria Ligia
Barbosa, professora do Departamento de Sociologia da UFRJ, iniciou sua
apresentação questionando o funcionamento do sistema de ensino superior
brasileiro. Os pontos básicos das suas colocações apontaram para a questão: “o
quanto de modernidade e democracia nós podemos medir nesse “novo” ensino
superior?”. “Novo” no sentido de um ensino repleto de ações afirmativas e de um
número de diplomas e produções acadêmicas jamais vistos antes. Para conseguir
dar conta do questionamento, a pesquisadora parte dos trabalhos do seu novo
grupo de pesquisa, que levantará diversos pontos importantes, dentre os quais
gostaria de destacar:
1) A
importância de compreender claramente a questão do retorno econômico do ensino
superior para o país. Como o ensino superior é, segundo a
pesquisadora, “o único a apresentar
retorno positivo em torno do rendimento econômico”, é um campo que merece
muita atenção das pesquisas. Apresentou então a relação entre o rendimento
econômico de algumas pessoas entrevistadas pelo seu grupo de pesquisa e a
escolaridade delas. O resultado geral, exposto pela professora foi que “quanto
mais rico era o sujeito, menos ele considerava a educação um determinante para
a sua situação econômica”.
2) A divisão
entre os cursos de bacharelado e “o resto”, ou seja, licenciaturas, cursos
formadores de tecnólogos etc. A professora ponderou que os bacharelados são
sempre mais valorizados e considerados cursos melhores, isso por conta da
dominação de uma elite que ainda interfere diretamente no sistema de ensino. A
pesquisa aponta até agora a preferência quase absoluta dos alunos pelo
bacharelado. Os demais cursos são considerados como de menor prestígio, tendo
sempre a menor valorização para os cursos técnicos em detrimento de todos os
outros, como o de licenciatura por exemplo. Um dos exemplos impactantes de
Maria Ligia foi, inclusive, a citação de uma frase de um colega de trabalho.
Seus alunos lhe contaram que um de seus professores disse em sala “não mudem
para o curso de licenciatura, esse é um curso de pobre, não vale a pena”.
3) Seguindo a
apresentação, a pesquisadora colocou um ponto teórico como uma das bases do seu
estudo. Ela apresentou a “pedagogia do cultivo”, de Weber, da seguinte forma:
Orientação dominante entre os pesquisadores da
educação brasileira, a pedagogia do cultivo caracteriza-se por: a) Ignorar a
divisão técnica do trabalho, inclusive no campo científico. Como exemplo, a
professora falou sobre como são aceitas as opiniões e publicações de cada área
de conhecimento. Ela disse: “se um professor de química publica um artigo
falando da sociedade é bem aceito, mas se um sociólogo tenta entrar no campo
acadêmico da química não”. b) Propor formações enciclopédicas e superficiais.
Para exemplificar a segunda questão, a professora afirmou que o ensino superior está “obedecendo” uma
divisão social do trabalho que “forma especialistas em nada”. Ou seja,
produções cada vez menos consistentes, cada vez mais repetitivas, feitas por
colegas de trabalho que não “se leem” entre eles e produzem essa repetição
de conteúdo como resultado de uma educação falha.
Essa realidade
acaba derivando no que a professora chama de “dialética entre o conteúdo dos saberes
e a força dos títulos” e “domínio da credencial em detrimento do mérito”. Maria
Ligia Barbosa ainda coloca que a “instituição escolar aparece como mecanismo de
legitimação da herança social” e que “diplomas superiores tem valor meramente
posicional”, afirmando que há muito mais espaço para o título do sujeito do que
para o seu saber propriamente dito.
4) Como
conclusão, a professora expus algumas das ineficiências presentes no Ensino
Superior. São elas: a) As formas específicas de produzir e distribuir ciência;
b) A dificuldade em acompanhar a evolução técnica da divisão social do
trabalho; c) A falta de inovação nas publicações acadêmicas; d) E o ponto chave
de sua apresentação: somos uma universidade (uma, dita nesse contexto como
representação de todas as universidades) dos coronéis. A universidade é marcada
pela lógica do coronelismo. Para esse ponto final a professora fez a colocação
de que “é uma hipótese trágica, mas que merece ser discutida”.
Sobre as
minhas reações enquanto parte da audiência da fascinante apresentação de Maria
Ligia Barbosa, seguem alguns comentários.
Presenciamos
um momento histórico em que entra em foco o questionamento da qualidade do
processo de aprendizagem no ensino superior. A escolaridade de alunos
supostamente vindos de um ensino defasado (os cotistas) complexificam ainda
mais uma realidade que já era de difícil análise sociológica. Os professores
que já teriam o trabalho de preparar a aula, estar “por dentro” dos temas
atuais debatidos em congressos da sua área e atingir um alto número de
publicações semestrais, se deparam com alunos com diferentes graus de
aprendizagem e realidades socioeconômicas que agravam a disparidade no processo
de ensino. Claro que essa realidade é posta em pauta na agenda da sociologia
atual, apesar de até agora não observarmos significativas assistências
(inclusive econômica) para os docentes.
Questionar o
quanto de modernidade e de democracia podemos esperar desse “novo” ensino
superior, seria questionar, portanto, o quanto a realidade sociopolítica
brasileira interfere e influencia as bases da nossa educação. A professora
Maria Ligia abriu as suas colocações levantando a necessidade para refletir
sobre as ineficiências e problemáticas
sociais mais gerais e complexas possíveis com apenas uma pergunta analítica: “o
quanto de modernidade e democracia nós podemos medir nesse “novo” ensino
superior?”.
A respeito do
ponto que trata do retorno econômico, mais uma vez a pesquisadora consegue de
forma sintética apontar para uma realidade comportamental de boa parcela da
nossa sociedade. Quem, como eu, faz estágio docente em escola pública, e
convive com alunos desestimulados de um ensino médio ineficiente, que ingressam
em universidades ainda mais desestruturadas, sabe como é difícil seguir até o
final da formação universitária. Quando um estudante tem uma boa estrutura
física (boa moradia que permita um bom ambiente de estudo) e econômica
(dinheiro para passar dias inteiros na faculdade – contando com alimentação,
passagem, xerox do material pedido pelas disciplinas, etc.) tornam-se maiores
as suas chances de completar a sua graduação, mestrado e outros cursos.
Em conjunto a
essa realidade de melhor estrutura física e econômica garantindo maiores
chances, para aspirar cargos mais bem remunerados do mercado, é indispensável
ter não apenas graduações completas, mas contar também com cursos de línguas,
mestrados, MBA’s, entre outros.
Entretanto, como citou a pesquisadora, “quanto mais rico era o sujeito, menos
ele considerava a educação um determinante para a sua situação econômica”. Mais
uma vez, de forma sintética e astuta, a professora chamou atenção para uma
grande contradição entre a avaliação da elite sobre o contexto econômico
relacionado ao educacional, e a realidade social brasileira.
Partindo para
o segundo ponto, como aluna de licenciatura observo constantemente a
marginalização do curso, no sentido pôr a licenciatura à margem – de forma periférica- do sistema educacional do
IFCS. Nesse momento da apresentação, a professora apresentou o seguinte tópico:
“As formas dominantes dos processos educativos na sociedade brasileira: as
concepções mais fortes acabam se expressando nas práticas e no funcionamento do
ensino superior.”
Unindo esse assunto com os pontos apresentados anteriormente,
interpretei as “concepções mais fortes” como a ideia mais tradicional de como
funcionava a academia no passado. Tais concepções estariam ligadas a acadêmicos
sendo membros da elite responsáveis por pensar os pontos chaves de
funcionamento da sociedade obedecendo a divisão social do trabalho, cada um com
a sua contribuição. Licenciados e tecnólogos não “dariam conta” de desenvolver
reflexões consistentes estando ocupados em dar aulas ou trabalhando em serviços
técnicos. Ou seja, as ocupações cotidianas que a formação de licenciatura e
cursos técnicos daria aos profissionais formados, impediria que eles tivessem
tempo para refletir de forma tão eficiente quanto os alunos de bacharelado que
se dedicariam somente a essa tarefa.
Tais “formas dominantes” que se expressam no ensino
superior são vivenciadas por exemplo, por alunos do curso noturno de
licenciatura de ciências sociais da UFRJ que trabalham durante o dia e
conciliam-no com a faculdade à noite. Aqueles que, por exemplo, se encontram atualmente
no penúltimo período, e estão desde o início da graduação dispostos e
preparados para trabalhar em algum projeto de iniciação científica, se deparam
várias vezes com falta de oportunidades, já que a maioria (se não todos) os
professores que orientam o funcionamento de ICs não recebem estrutura e apoio
da universidade para estarem à noite nas universidades orientando os alunos e
seguindo com os projetos.
Já sobre o ponto da divisão técnica do trabalho, tenho
algumas reações. Maria Ligia Barbosa, mais uma vez, colocou de forma prática e
clara as questões sobre o assunto. Para quem convive no ambiente
universitário é clara a valorização dos cursos de exatas em detrimento aos
cursos de humanas. Ouvir uma professora e pesquisadora de uma das maiores
universidades do país, que tem atuado como consultora da CAPES, que essa
diferença é tão marcada foi um momento importante para o seminário. Partindo
então desse estímulo, sobre o ato de ignorar a divisão técnica do trabalho no
campo científico, tenho como estudante mais alguns exemplos. Fica clara a
diferenciação feita entre os cursos observando as questões práticas e físicas
da organização dos cursos dentro da UFRJ. As bolsas dos alunos de engenharia,
por exemplo, ultrapassam em alguns casos, mil e quinhentos reais, enquanto que
a bolsa máxima para alunos de ciências sociais chega a quatrocentos reais. Além
disso, a estrutura física na Cidade Universitária, campus da UFRJ que acomoda
alguns cursos (em sua maioria de exatas) conta com um bandejão, a maioria das
salas equipadas com ar condicionado e projetores multimídia. Já no IFCS e no
Campus da Praia Vermelha (unidades em que são maioria
os cursos de humanas) são minoria as salas que possuem os equipamentos
citados.
Do início ao fim de sua
exposição a professora Maria Lígia Barbosa tomou para si a atenção de todos os espectadores presentes, os manteve interessados até a hora do debate final, ocorrido
depois das apresentações, fazendo o link entre o público e a mesa. Sua apresentação contemplou pontos cruciais
e básicos para entender sociologicamente o ensino superior brasileiro, e serviu
como inspiração não só para mim, mas para muitos estudantes ali presentes, que
comentaram a respeito na saída da sala do evento. Refletir sobre tais temáticas
que rondam a vida universitária se tornou uma tarefa muito mais simples depois
de ter uma pesquisadora que conseguiu dar conta de expô-los de forma tão
sistemática e completa.
Palavras-chave: ENSINO SUPERIOR, DESIGUALDADES, COTAS, CORONELISMO, MARIA LIGIA BARBOSA, BRUNA SALDANHA.
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