Com uma longa trajetória e
participação em conselhos científicos, nacionais e internacionais, a Profa. Elisa
Reis defende a internacionalização das ciências sociais do Brasil a partir da
adoção dos modelos de produção, escrita e circulação do
conhecimento que priorizem o padrão hegemônico e o diálogo com os países centrais. Sua esclarecedora entrevista levanta polêmicos questionamentos
aos esforços de cooperação Sul-Sul, ao financiamento de participação em
congressos internacionais e tradução de artigos e às pesquisas centradas na
peculiaridade brasileira –como as do Pensamento Social Brasileiro. Defende, em contrapartida, a concentração de recursos em projetos que englobem grande número de
pesquisadores e estudem temas de relevância internacional. Confira a
entrevista!
Elisa Reis é Cientista Política pelo MIT (EUA) e professora do
departamento de Sociologia da UFRJ. Coordena o NIED – Núcleo Interdisciplinar
de Estudos sobre Desigualdade.
Quais são, em sua opinião, os maiores desafios da academia brasileira
para a sua internacionalização?
- Você está pensando na
academia como um todo, ou apenas nas ciências sociais?
Como um todo.
- Perguntei porque existe
muita diferença entre a academia como um todo e as ciências sociais, em
particular. Na academia como um todo, houve muito avanço, não só pela
multiplicação de bolsas sanduíche e de doutorado pleno, mas sobretudo pela
colaboração rotineira entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Ou seja,
o desafio da internacionalização tem sido enfrentado de maneira bastante clara
nos anos recentes. Naturalmente, em todas as áreas ainda há muito a ser feito.
A colaboração transnacional é mais fácil em algumas áreas de pesquisas. A
EMBRAPA, por exemplo, é uma ilha de excelência, porque definiu nichos de
pesquisa que são relevantes aqui e no exterior também. Isso facilita a
colaboração. Outro exemplo é a área de medicina tropical, onde o Brasil tem
grande know how, e pode colaborar muito com o conhecimento
científico mundial. A colaboração, nesse caso, não tem sido só com os países
que enfrentam problemas comuns aos nossos, mas também com aqueles que não os
enfrentando diretamente, têm interesse em adquirir conhecimento para solucionar
doenças que afligem os países tropicais. Esse é o desafio: encontrar nichos de
colaboração internacional que sejam relevantes e produtivos. Para a academia
como um todo esse é o desafio básico.
Quais seriam as razões que explicariam a menor presença da produção
brasileira, nas ciências sociais, em periódicos internacionais?
- Um problema real,
reconhecido por todos, é nossa falta de intimidade com a língua franca da
ciência, o Inglês. Esse problema pesa em todas áreas científicas, mas é
especialmente agudo nas ciências sociais e humanas. Uma consequência disso é
que no Ciência sem Fronteiras, as
pessoas nem sempre têm condições de ir para centros mundiais de excelência,
porque não dominam a língua inglesa. No caso das ciências da vida ou das
ciências naturais o problema é menos grave, porque elas são menos verbais que
as ciências sociais. Nos laboratórios, os reagentes comportam-se da mesma forma
em qualquer língua. Para nós das ciências sociais o problema é mais dramático
porque nosso instrumento de trabalho é a palavra. Assim, não ter um bom
treinamento em inglês é um problema grave quando buscamos a
internacionalização.
Às vezes, sugerem-se
medidas como publicar revistas brasileiras em inglês. Não acho que isso seja
prioritário. Não se trata de publicar
nossas revistas em inglês e nem, como muitos sustentam muitos, prover recursos
para professores e pesquisadores brasileiros em ciências sociais terem seus
artigos traduzidos por especialistas. Realmente, isso não me parece
prioritário atualmente, embora iniciativas ocasionais nesse sentido possam ser
justificáveis. Há um problema preliminar a ser resolvido, qual seja, lograr
nossa inserção no debate mundial. A verdade é que não estamos
efetivamente inseridos neste debate. O pouco esforço feito como, por exemplo,
intensificar o debate Sul/Sul, é meritório. Mas também não é através desse tipo
de iniciativa que vamos, de fato, internacionalizar, pois vamos criar outra
segmentação regional no mercado da produção científica. O obstáculo maior é não
conseguir formular questões de pesquisa que transcendam as peculiaridades
brasileiras. Somos treinados a refletir sobre a realidade brasileira perdendo
de vista a perspectiva comparativa. Claro que há exceções, mas é muito difícil
interessar leitores estrangeiros na nossa produção enquanto ela se preocupar em
ressaltar as peculiaridades brasileiras. Temos
que fazer um esforço para nos inserirmos nos temas e nas discussões que se
processam efetivamente no diálogo internacional. Para isso, existe um formato,
um protocolo de pesquisa e um protocolo de redação de resultados de pesquisa.
Por exemplo, devemos ser treinados e treinar nossos alunos a redigir textos nos
quais os resultados da pesquisa sejam enunciados de forma explícita. E antes
mesmo disso, há requisitos fundamentais do tipo: qual é a pergunta de pesquisa
que você está buscando responder? Como é que você chegou a seus resultados? Que
métodos e recursos de análise utilizou? Temos muito pouco disso. O que
predomina na ciência social brasileira é uma produção de caráter quase
artesanal, ou mesmo plenamente artesanal.
E não científico?
- Não estou contrapondo
artesanal e científico. O artesanal é aquilo que você faz com os seus próprios
recursos técnicos, no seu próprio canto. Não sei se posso fazer um paralelo com
a produção industrial, mas a produção realmente contemporânea, o formato contemporâneo
de produzir, é exatamente o oposto da artesanato. Se você têm um estudo tão
pessoal e com um resultado tão original que só pode ser entendido nele mesmo e
não dialoga com a literatura pertinente, isso se torna quase uma produção
artística. Claro que essa pode ser genial, mas no geral tende a ser
trivial e pouco relevante. Não é difícil encontrar justificativa porque isso
acontece. É trabalhoso e caro montar e administrar grandes projetos. Além
disso, é mais fácil para as agências de fomento pulverizar os recursos na nossa
área. Você distribui um pouco de dinheiro para cada pesquisador, e ele faz um
projeto. Todo mundo é líder de pesquisa no Diretório de Pesquisa. São
pouco animadores os resultados agregados dessa infinidade de projetos que são
financiados. Há um investimento que não se pode dizer que é improdutivo, porque
as pessoas produzem, mas o que elas produzem têm pouco efeito multiplicador de
conhecimento. Mesmo que a preocupação nem seja internacionalizar nossa
produção. As vezes para uma bibliografia de curso queremos incluir um artigo ou
um livro que seja esclarecedor sobre algum problema social e não encontramos.
Há uma infinidade de estudos de caso. Ou então algo que é muitas vezes bem
feito, mas que, em minha opinião, está
super dimensionado no Brasil, que é a produção sobre o chamado pensamento
social brasileiro. Não há dúvida que essa é uma especialização muito
importante, e que temos excelentes pesquisadores nessa área. Mas por que digo
que está super dimensionada? Porque grande parte desses trabalhos é na verdade
história das ideias. Como tal, muito importante, fundamental mesmo como
instrumental para outros tipos de análise. Mas está faltando uma maior
ênfase em pesquisas que busquem respostas à questões específicas, que formulem
perguntas claras e tracem estratégias para responde-las. Isso quase não tenho
visto. Se vamos buscar internacionalização, ter uma questão de pesquisa é
fundamental. É fundamental saber propor uma questão de pesquisa que seja
relevante aqui, ou em qualquer outro contexto.
A senhora tem longa experiência participando em foros e associações de
classe, especialmente no exterior. Quais seriam alguns caminhos viáveis a médio
prazo para fazer com que o diálogo entre academias centrais e periféricas seja
mais equitativo.
- Algo que em minha opinião
já se esgotou é a denúncia dessa desigualdade. Ela pode cumprir uma função
psicossocial importante, criar uma identidade entre os analistas e os
pesquisadores das academias periféricas ou do Sul, como quer que seja que
denominemos tais grupos. Esse recurso expressivo contribui para criar uma
comunalidade de sentimentos em torno da constatação de uma situação de
inferioridade no cenário de publicações. Mas isso tem um alcance muito
limitado. Dada essa constatação, que podemos fazer para superar a condição
periférica? Em certo sentido já adiantei respostas em minhas observações
anteriores. Mas, claro que podemos buscar maior instrumentalidade. Por exemplo,
se pensarmos sob o ponto de vista das agências de fomento, elas poderiam criar
estímulos para a implementação de projetos que contemplassem também a
participação de pesquisadores de fora do Brasil. A propósito, a FAPERJ lançou
recentemente um edital que visa promover projetos colaborativos com a Columbia
University. O simples fato de você ter uma agência de fomento brasileira,
e um centro de pesquisa notável, Columbia no caso, mas poderiam ser tantos
outros, cria um estímulo para nos inserirmos em uma produção mais
internacionalizada. Esse pode ser um dos caminhos. Ou ainda, se houvesse, sob o
ponto de vista das agências de fomento uma mudança de escopo, se em vez de
pulverizar recursos elas agregassem recursos, de forma que diversos cientistas
sociais se juntassem em um grande projeto comum, isso provavelmente nos ajudaria
a competir melhor no cenário internacional. Claro que isso nem seria uma
novidade, já tivemos a experiência do PRONEX e temos a dos Institutos do
Milênio. Mas, esses programas competem com a distribuição mais pulverizada, e
além disso, a continuidade que é fundamental para o sucesso de tais iniciativas
ainda não foi inteiramente posta à prova.
Como a senhora avalia a UFRJ no processo de internacionalização? Existem
políticas que estejam sendo implementadas na área de Ciências Sociais?
- Não tenho conhecimento de
debates dessa questão na UFRJ. Ouço propostas ocasionais como, por exemplo,
“vamos distribuir recursos para as pessoas terem seus artigos traduzidos para o
Inglês”. Como já disse, considero essa estratégia paliativa e não
prioritária. De qualquer forma, não vejo no âmbito das Ciências Sociais no
Brasil esforços mais efetivos para a internacionalização. É bem verdade que não
apenas na UFRJ, mas no cenário acadêmico brasileiro como um todo as pessoas são
incentivadas a apresentarem trabalhos em congressos e seminários
internacionais. Isso é positivo e seria injustiça não reconhecer que o Brasil,
e a UFRJ particularmente, já avançaram neste processo. Há mais cientistas
sociais brasileiros participando em eventos acadêmicos internacionais.
Mas isso é pouco. Seria melhor
concentrar recursos em projetos conjuntos que em passagens aéreas para
participações em congressos, que conectam as pessoas, ampliam os horizontes
delas, mas têm menor impacto direto sobre a produção em ciências sociais.
Muito obrigado por
participar do nosso blog!
Palavras-chave: INTERNACIONALIZAÇÃO, PUBLICAÇÃO ACADÊMICA, PRODUTIVISMO, TRADUÇÃO, UNIVERSIDADE, AVALIAÇÃO, GEOPOLÍTICA DO CONHECIMENTO, ELISA REIS.
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