Que o
mundo globalizado é um mundo desigual, não é novidade. E que essa desigualdade
se replique nos diversos âmbitos da vida social, também não é. A proposta desse
blog, e das pesquisas que o originaram, é refletir em torno dessas
desigualdades aqui, em casa, no campo
acadêmico do qual todas e todos participamos.
Como
falar em internacionalização, desde o Brasil? Como o conhecimento circula?
A própria
existência de uma academia internacional globalizada é largamente baseada na
prevalência de um modelo eurocêntrico de estruturação do conhecimento e
produção do saber. Existe uma divisão global do trabalho nas ciências sociais
que reforça uma separação entre academias que produzem teorias e conceitos e
outras que produzem pesquisas empíricas. Esse modelo de divisão desigual do
trabalho acadêmico foi largamente desenvolvida pelo sociólogo malaio Syed Farid Alatas, quem demonstra como essa cisão
divide o mundo entre academias centrais (do Norte global) e academias ditas
periféricas ou semiperiféricas, no chamado Sul global. Nem Norte nem Sul são,
vale esclarecer, localizações geográficas –ainda que seja possível identificar
facilmente o centro hegemônico no espaço Norte-atlântico. Temos, então, que nessa
divisão internacional do trabalho acadêmico, nem tudo o que é produzido circula,
e que as direções de circulação são predefinidas e muito específicas.
É preciso
chamar a atenção a essa clivagem, pois está longe de ser auto-evidente. O
discurso científico hegemônico coloca em dúvida qualquer movimento crítico à
suposta “universalidade” da ciência, à ideia de uma suposta “excelência” que
seria “objetiva” (na sua configuração e nos caminhos para alcança-la), quando é
resultado do que Sérgio Costa denomina regime de desigualdades. Da mesma
maneira, não é uma questão menor assinalar para as desigualdades de gênero na
academia, nem para a ausência de professores e professoras negras e indígenas
nas universidades.
No caso
brasileiro, alguns trabalhos
dão conta, por exemplo, de como as agencias de financiamento brasileiras
imaginam o mundo e a “modernidade”, financiando convênios e bolsas na Europa e
em Norte-América, e ignorando as possibilidades de diálogo intelectual com
América Latina, Ásia e África, onde também se produzem debates teóricos
profundos e dados empíricos rigorosos.
Evidentemente,
apenas denunciar não resolve. E o dilema não pode ser reduzido a apontar que os
países centrais produzem hegemonias do pensamento, enquanto os países
periféricos simplesmente as consomem. É fundamental considerar de que maneira
essa mesma dinâmica de divisão do trabalho impõe como critério de validação da
atividade científica paradigmas reflexivos, formas de observação e, não menos
importante, modelos de avaliação cujo único modelo é o Norte.
Ignorar o
quadro, só piora a situação. E estamos muito longe desses debates serem
resolvidos na academia –brasileira e internacional- teórica ou praticamente.
Ainda
mais, ignorar essa desigualdade estrutural –fazer de conta que ela não existe,
ou minimizá-la como um dado estatístico ou como um discurso ideológico- é o
primeiro erro se queremos reverter essa tendência ou, pelo menos, passar a participar do diálogo internacional de uma
maneira menos desigual. Se
queremos ter a chance de dizer alguma coisa diferente que o simples eco das
teorias e diagnósticos, ou da replicação de metodologias, produzidos nos
centros acadêmicos hegemônicos. Se aspiramos a ser, enquanto cientistas
sociais, outra coisa que produtores de dados ou, nos casos de sucesso,
embaixadores dos denominados “centros de excelência”.
A
questão central é que a própria estrutura acadêmica se baseia em discursos e políticas que fazem da
desigualdade seja considerada positiva, e até desejável. Discutir criticamente a desigualdade no campo acadêmico parece um contrassenso, se considerarmos que o mérito, entendido como uma qualidade individual, é o critério
fundamental para o acesso legítimo ao campo, para sua dinâmica e sua
organização hierárquica interna. A denominada “excelência” na trajetória e na
produção (aqui, circunscrita a uma medida quantitativa) é entendida como parâmetro
suficiente para medir quem pode participar legitimamente do campo e quem é excluído
ou, no melhor dos casos, participa de maneira periférica. Assim, ainda que
existam alguns mecanismos para favorecer o acesso dos “menos iguais”, como o
sistema de cotas, tais mecanismos só podem ser legitimados se acompanhados pela
exigência do mérito individual, fazendo com que a lógica do sistema seja,
finalmente, reforçada.
A
proposta do blog é abrir um espaço
plural, onde ideias, perspectivas teóricas e propostas políticas se encontrem
para discutir um tema que, como participantes da academia, nos toca de perto. Pois,
sim, consideramos que fazer ciência é também se engajar de maneira militante
com alguns princípios éticos e políticos no afazer científico.
Nem
sempre vamos concordar, teórica ou politicamente, com as opiniões que publicaremos
nesse espaço. Mas acreditamos que é fundamental reconhecer e considerar as
diferentes vozes, como parte do diálogo que é central para a construção do
conhecimento. E para encontrar melhores caminhos, mais éticos e mais justos.
A proposta do blog, então, é que as ideias circulem, ainda que entrem em choque: um circuito que entende que os curto-circuitos são parte do processo dialógico de gerar conhecimento. Pois conhecimento que não circula, não debate, não se arrisca ao curto-circuito, não é conhecimento: é discurso morto, é dogma religioso –ainda que travestido de objetividade científica.
A proposta do blog, então, é que as ideias circulem, ainda que entrem em choque: um circuito que entende que os curto-circuitos são parte do processo dialógico de gerar conhecimento. Pois conhecimento que não circula, não debate, não se arrisca ao curto-circuito, não é conhecimento: é discurso morto, é dogma religioso –ainda que travestido de objetividade científica.
Bem-vindos a Circuito Acadêmico!
Quer
saber mais sobre o nosso projeto? Clique nos links embaixo!
Palavras-chave: INTERNACIONALIZAÇÃO,
PUBLICAÇÃO ACADÊMICA, PRODUTIVISMO, DESIGUALDADE, UNIVERSIDADE, AVALIAÇÃO, SUL
GLOBAL, GEOPOLÍTICA DO CONHECIMENTO, EUROCENTRISMO, EXCELÊNCIA, MÉRITO, ELOISA
MARTIN
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.