sexta-feira, 16 de maio de 2014

Circuito Acadêmico: uma proposta de conhecimento em movimento



Que o mundo globalizado é um mundo desigual, não é novidade. E que essa desigualdade se replique nos diversos âmbitos da vida social, também não é. A proposta desse blog, e das pesquisas que o originaram, é refletir em torno dessas desigualdades aqui, em casa, no campo acadêmico do qual todas e todos participamos.

Como falar em internacionalização, desde o Brasil? Como o conhecimento circula?

A própria existência de uma academia internacional globalizada é largamente baseada na prevalência de um modelo eurocêntrico de estruturação do conhecimento e produção do saber. Existe uma divisão global do trabalho nas ciências sociais que reforça uma separação entre academias que produzem teorias e conceitos e outras que produzem pesquisas empíricas. Esse modelo de divisão desigual do trabalho acadêmico foi largamente desenvolvida pelo sociólogo malaio Syed Farid Alatas, quem demonstra como essa cisão divide o mundo entre academias centrais (do Norte global) e academias ditas periféricas ou semiperiféricas, no chamado Sul global. Nem Norte nem Sul são, vale esclarecer, localizações geográficas –ainda que seja possível identificar facilmente o centro hegemônico no espaço Norte-atlântico. Temos, então, que nessa divisão internacional do trabalho acadêmico, nem tudo o que é produzido circula, e que as direções de circulação são predefinidas e muito específicas.



É preciso chamar a atenção a essa clivagem, pois está longe de ser auto-evidente. O discurso científico hegemônico coloca em dúvida qualquer movimento crítico à suposta “universalidade” da ciência, à ideia de uma suposta “excelência” que seria “objetiva” (na sua configuração e nos caminhos para alcança-la), quando é resultado do que Sérgio Costa denomina regime de desigualdades. Da mesma maneira, não é uma questão menor assinalar para as desigualdades de gênero na academia, nem para a ausência de professores e professoras negras e indígenas nas universidades.

No caso brasileiro, alguns trabalhos dão conta, por exemplo, de como as agencias de financiamento brasileiras imaginam o mundo e a “modernidade”, financiando convênios e bolsas na Europa e em Norte-América, e ignorando as possibilidades de diálogo intelectual com América Latina, Ásia e África, onde também se produzem debates teóricos profundos e dados empíricos rigorosos.



Evidentemente, apenas denunciar não resolve. E o dilema não pode ser reduzido a apontar que os países centrais produzem hegemonias do pensamento, enquanto os países periféricos simplesmente as consomem. É fundamental considerar de que maneira essa mesma dinâmica de divisão do trabalho impõe como critério de validação da atividade científica paradigmas reflexivos, formas de observação e, não menos importante, modelos de avaliação cujo único modelo é o Norte.

Ignorar o quadro, só piora a situação. E estamos muito longe desses debates serem resolvidos na academia –brasileira e internacional- teórica ou praticamente.

Ainda mais, ignorar essa desigualdade estrutural –fazer de conta que ela não existe, ou minimizá-la como um dado estatístico ou como um discurso ideológico- é o primeiro erro se queremos reverter essa tendência ou, pelo menos, passar a participar do diálogo internacional de uma maneira menos desigual. Se queremos ter a chance de dizer alguma coisa diferente que o simples eco das teorias e diagnósticos, ou da replicação de metodologias, produzidos nos centros acadêmicos hegemônicos. Se aspiramos a ser, enquanto cientistas sociais, outra coisa que produtores de dados ou, nos casos de sucesso, embaixadores dos denominados “centros de excelência”.



A questão central é que a própria estrutura acadêmica se baseia em discursos e políticas que fazem da desigualdade seja considerada positiva, e até desejável. Discutir criticamente a desigualdade no campo acadêmico parece um contrassenso, se considerarmos que o mérito, entendido como uma qualidade individual, é o critério fundamental para o acesso legítimo ao campo, para sua dinâmica e sua organização hierárquica interna. A denominada “excelência” na trajetória e na produção (aqui, circunscrita a uma medida quantitativa) é entendida como parâmetro suficiente para medir quem pode participar legitimamente do campo e quem é excluído ou, no melhor dos casos, participa de maneira periférica. Assim, ainda que existam alguns mecanismos para favorecer o acesso dos “menos iguais”, como o sistema de cotas, tais mecanismos só podem ser legitimados se acompanhados pela exigência do mérito individual, fazendo com que a lógica do sistema seja, finalmente, reforçada.



A proposta do blog é abrir um espaço plural, onde ideias, perspectivas teóricas e propostas políticas se encontrem para discutir um tema que, como participantes da academia, nos toca de perto. Pois, sim, consideramos que fazer ciência é também se engajar de maneira militante com alguns princípios éticos e políticos no afazer científico.

Nem sempre vamos concordar, teórica ou politicamente, com as opiniões que publicaremos nesse espaço. Mas acreditamos que é fundamental reconhecer e considerar as diferentes vozes, como parte do diálogo que é central para a construção do conhecimento. E para encontrar melhores caminhos, mais éticos e mais justos.
A proposta do blog, então, é que as ideias circulem, ainda que entrem em choque: um circuito que entende que os curto-circuitos são parte do processo dialógico de gerar conhecimento. Pois conhecimento que não circula, não debate, não se arrisca ao curto-circuito, não é conhecimento: é discurso morto, é dogma religioso –ainda que travestido de objetividade científica.

               Bem-vindos a Circuito Acadêmico!

 

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Palavras-chave: INTERNACIONALIZAÇÃO, PUBLICAÇÃO ACADÊMICA, PRODUTIVISMO, DESIGUALDADE, UNIVERSIDADE, AVALIAÇÃO, SUL GLOBAL, GEOPOLÍTICA DO CONHECIMENTO, EUROCENTRISMO, EXCELÊNCIA, MÉRITO, ELOISA MARTIN

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